Some à ecologia os avanços recentes da biologia celular, da estatística, da geografia e, principalmente, da ciência de dados. Resultado dessa adição: a macroecologia, área multidisciplinar que busca não só entender os padrões de biodiversidade em grande escala, mas também tem muito a oferecer aos estudos sobre as mudanças climáticas. Com o uso de ferramentas inovadoras, a macroecologia pode orientar a elaboração de políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade e sustentabilidade de ecossistemas.
É impossível falar de macroecologia sem saber o que é escala. Na ecologia, podemos falar que existem três principais tipos de escalas para o estudo de padrões de biodiversidade.
A escala espacial se refere à dimensão geográfica ou física, que pode ser pequena como um fragmento de floresta, grande como um continente, e até mesmo global, envolvendo todo o planeta.
Já a escala temporal diz respeito ao intervalo de tempo considerado para o estudo em questão. Esse intervalo pode ser curto, como dias, semanas ou meses, e variar até atingir escalas longas, como décadas ou séculos.
Em estudos de ecologia de campo, por exemplo, é normal observarmos uma escala temporal pequena, em que as amostragens ocorrem por poucos dias. Escalas temporais maiores, que reflitam diferentes aspectos da biodiversidade ao longo de décadas, são tipicamente observadas em estudos de mudanças climáticas e ecologia de populações, enquanto escalas seculares ou milenares são adotadas para estudos de evolução das espécies.
A terceira escala é a escala taxonômica, e refere-se ao nível hierárquico e grupo de organismos estudados. Pode incluir desde um único táxon (uma espécie ou família) até grupos mais abrangentes, como classes (insetos, anfíbios, répteis, aves ou mamíferos etc.) ou mesmo reinos (animais, plantas, fungos etc.).
Estudos que abordam vários grupos taxonômicos são normalmente denominados multitaxa. Em investigações macroecológicas, pelo menos uma escala (espacial, temporal ou taxonômica) é grande ou ‘macro’ – por isso, o nome macroecologia.
Em investigações macroecológicas, pelo menos uma escala (espacial, temporal ou taxonômica) é grande ou ‘macro’ – por isso, o nome macroecologia
Além das escalas
Nas ciências exatas, é comum observarmos padrões universais. Por exemplo, a molécula da água é sempre composta pela ligação de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O); a velocidade da luz no vácuo é sempre constante (cerca de 300 mil km/s).
Os padrões ecológicos, porém, costumam apresentar dependência de escala. Ou seja, um padrão visível ou explicável em uma escala pode não o ser em outra.
Não há uma única escala ideal na ecologia, porque diferentes organismos percebem o ambiente de maneiras distintas. Por causa disso, um aspecto importante na macroecologia é a definição de escalas adequadas para entender os padrões de biodiversidade.
Perguntas relacionadas a eventos recentes de especiação – a separação de uma espécie em duas ou mais – podem permanecer sem respostas, caso organismos evolutivamente distantes sejam estudados. Isto é, estudar organismos que se diferenciaram há muito tempo não permitirá entender processos evolutivos recentes.
Questões ecológicas sobre a influência do clima na distribuição geográfica das espécies dificilmente serão respondidas com dados obtidos ao longo de poucos dias ou para áreas muito pequenas. O motivo disso é porque o clima varia em grandes escalas espaciais e temporais. Portanto, dados coletados em ‘micro’ escala não capturam essa variação.
Questões ecológicas sobre a influência do clima na distribuição geográfica das espécies dificilmente serão respondidas com dados obtidos ao longo de poucos dias ou para áreas muito pequenas
Da mesma forma, não é recomendável investigar fatores que afetam as interações dos organismos a partir da sobreposição de mapas que representem a distribuição das espécies de forma grosseira. Por exemplo, é comum que livros e guias de campo ilustrem a distribuição geográfica das espécies por meio de polígonos desenhados sobre o continente ou macrorregião de interesse. Esse tipo de informação é útil para fazer mapas e análises em que cada pixel tem cerca de 100 × 100 km de tamanho (figura 1). Mas, com pixels tão grandes, é possível que as espécies presentes em cada quadrante, na verdade, não interajam entre si.
Figura 1. Mapa global da riqueza de espécies de vertebrados terrestres; cores mais escuras representam áreas de alta biodiversidade, e tons amarelados, as de baixa
Em vez de buscar a ‘melhor’ escala, estudos recentes têm se concentrado em compreender como os padrões de biodiversidade variam em diferentes escalas. Ou seja, análises similares podem ser repetidas em diferentes escalas, de modo a avaliar resultados consistentes ou convergentes.
Aliada em tempos de mudança
Embora o termo macroecologia tenha sido criado há mais de 30 anos, as bases conceituais e teóricas dessa disciplina remontam ao século 19, antes das contribuições dos naturalistas britânicos Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913). Em grande parte, o notável crescimento dessa disciplina se deve aos avanços recentes da biologia molecular, estatística, informática e dos sistemas de informação geográfica.
Em grande parte, o notável crescimento dessa disciplina se deve aos avanços recentes da biologia molecular, estatística, informática e dos sistemas de informação geográfica
Cada vez mais, temos acumulado informações detalhadas sobre as espécies do planeta e os ambientes onde elas ocorrem. Essas conquistas científicas têm permitido que a macroecologia responda agora a perguntas feitas há centenas de anos. A capacidade de lidar com dados em larga escala faz da macroecologia uma aliada no estudo das mudanças globais. Por meio de análises estatísticas, é possível examinar como as variações de temperatura, precipitação e relevo influenciam a riqueza de espécies, composição das comunidades e estrutura dos ecossistemas. Isso nos permite prever como as mudanças climáticas podem afetar a biodiversidade em diferentes regiões do mundo. Um dos principais enfoques da macroecologia no estudo das mudanças climáticas é investigar os impactos do clima na distribuição geográfica das espécies. Com o aquecimento global, muitas espécies estão se movendo em direção a latitudes mais altas ou regiões mais elevadas, para buscar condições climáticas mais adequadas para sua sobrevivência. Esse deslocamento pode ter consequências significativas para as interações entre as espécies e a estrutura das comunidades. Além disso, a macroecologia nos permite entender como as mudanças climáticas afetam os serviços ecossistêmicos, ou seja, os benefícios que os ecossistemas fornecem para os seres humanos. Por exemplo, mudanças na distribuição das espécies vegetais podem afetar a produtividade agrícola, polinização, e regulação de pragas. Compreender esses impactos nos ajuda a tomar decisões informadas sobre a conservação da biodiversidade e adaptação às mudanças climáticas.
IA na conservação
É importante ressaltar que a macroecologia não é só uma disciplina teórica. Ela tem também aplicações práticas no manejo e na conservação da biodiversidade: é possível usar bancos de dados com características biológicas, geográficas e socioeconômicas associadas a diferentes organismos, o que ajuda a entender fatores que determinam o grau de ameaça das espécies.
É importante ressaltar que a macroecologia não é só uma disciplina teórica
Sabendo quais características tornam as espécies mais vulneráveis aos impactos das modificações de origem humana, é possível elaborar planos mais efetivos para o manejo e a conservação da vida silvestre. Por meio de análises de dados em larga escala e uso de algoritmos de inteligência artificial (IA), pode-se mapear um conjunto de áreas que garanta a maior representatividade da biodiversidade no menor espaço geográfico possível. É possível identificar regiões com maior potencial para a criação de corredores ecológicos ou áreas que tenham menor chance de serem impactadas por mudanças climáticas. Esse tipo de ‘solução inteligente’ facilita a implementação de estratégias de conservação, além de minimizar conflitos socioeconômicos, e facilitar a criação de novas áreas protegidas com espécies ainda desamparadas.
Colaboração multidisciplinar
Ao unir o conhecimento teórico da macroecologia com as demandas práticas da conservação, abrimos caminho para abordagens mais eficientes e eficazes na proteção tanto da biodiversidade quanto dos serviços ecossistêmicos essenciais para a sociedade. Isso implica o uso de abordagens multidisciplinares que envolvam a colaboração entre cientistas, gestores ambientais, e tomadores de decisão. Essa colaboração é fundamental para que as descobertas científicas sejam aplicadas na elaboração de políticas públicas que visem à sustentabilidade de nossos ecossistemas e recursos naturais para as gerações futuras.
Isso implica o uso de abordagens multidisciplinares que envolvam a colaboração entre cientistas, gestores ambientais e tomadores de decisão
Link de referência da matéria: Ciência Hoje (cienciahoje.org.br)
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