Entrada de novos membros na aliança reforça papel do Sul Global e, principalmente, a força da China; mas sofre com falta de agendas comuns
Quando os líderes dos países dos Brics se reuniram para fotos de grupo no final da cúpula em Joanesburgo na semana passada, tivemos um vislumbre dos contornos da nova ordem mundial que a China tenta moldar.
Na frente e ao centro, estava Xi Jinping, o poderoso líder chinês, rodeado por líderes de mercados emergentes e países em desenvolvimento em toda a África, Ásia e América Latina.
A cúpula sul-africana, com 60 países, foi a maior já realizada pelos Brics, sigla que representa os países membros — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Ao lado dos atuais líderes dos Brics estavam os de Argentina, Etiópia, Irã, Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos, que tinham acabado de ser convidados para se juntar ao clube.
Trata-se de uma grande vitória para Xi, que há muito tempo pressionava para expandir o bloco e sua influência, apesar das reservas de outros membros, como Índia e Brasil.
A expansão, a primeira desde que a África do Sul foi adicionada em 2010, irá mais que dobrar o grupo e estender significativamente o seu alcance global, especialmente no Oriente Médio.
“A China é a vencedora clara” da cúpula, afirmou Steve Tsang, diretor do Instituto SOAS China da Universidade de Londres. “Conseguir seis novos membros é um movimento significativo na sua direção preferida”.
Para o governo chinês, assim como para o russo, a expansão faz parte de um esforço para tornar um grupo econômico solto num contrapeso geopolítico para o Ocidente — e para instituições ocidentais, como o G7.
A missão tornou-se ainda mais urgente no ano passado, dada a crescente rivalidade da China com os Estados Unidos, bem como as ramificações da guerra da Ucrânia — que viu a China ainda mais distante do Ocidente por causa do seu apoio à Rússia.
Como demonstrado pela expansão dos Brics e pela longa lista de espera para se juntar ao grupo, a oferta de Xi de uma ordem mundial alternativa é encontrar ouvidos receptivos no Sul Global, onde muitos países se sentem marginalizados num sistema internacional dominado pelos EUA e pelos seus aliados ricos.
Como reflexo de sua exigência por ter mais espaço nas discussões globais, a declaração dos líderes dos Brics apelou repetidamente para uma “maior representação dos mercados emergentes e dos países em desenvolvimento” em instituições internacionais – como a Organização das Nações Unidas (ONU) e seu Conselho de Segurança, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Xi, que temperou seus discursos na cúpula com críticas à “hegemonia” dos EUA, saudou a expansão como “histórica” e “um novo ponto de partida para a cooperação dos Brics”.
Happymon Jacob, professor de estudos internacionais na Universidade Jawaharlal Nehru de Nova Délhi, disse que a expansão destaca uma mudança nas fissuras geopolíticas globais.
“Ser um líder de fóruns não ocidentais e do Sul Global, que em geral está insatisfeito com as instituições lideradas pelos EUA, irá invariavelmente ajudar a China a tornar-se um contrapeso para os EUA e para a ordem mundial liderada pelos EUA”, comentou.
Os novos membros
No entanto, uma adesão mais ampla também coloca em questão a coesão e a coerência dos Brics, cujos membros existentes já diferem amplamente em sistemas políticos, sucesso econômico e objetivos diplomáticos.
“Estou cético em termos da eficácia da organização após a expansão, e se no final esse crescimento é mais simbólico do que substantivo”, disse Yun Sun, diretor do programa da China no Stimson Center em Washington.
“Quanto mais membros houver, mais interesses a organização precisa para conciliar e acomodar”.
O tema é particularmente verdadeiro para uma organização baseada em consenso como os Brics, onde as decisões só são tomadas se todos os membros concordarem.
Os novos membros formam um grupo muito díspar. Duas nações são economias em dificuldades. A Argentina, um inadimplente em série que tem lutado há muito tempo com crises de inflação e de moeda, é o maior mutuário do FMI. O Egito, que enfrenta a sua própria crise econômica, é o segundo maior devedor do FMI.
A Etiópia, o segundo país mais populoso da África e outrora uma das economias de crescimento mais rápido do continente, vive a devastação após uma guerra civil de dois anos na região do Tigray do país, que terminou em dezembro, em meio a provas de abusos generalizados dos direitos humanos.
O bloco ampliado também incluirá três dos maiores exportadores de petróleo do mundo: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.
Os dois primeiros são tradicionalmente aliados próximos da América, mas recentemente fomentaram laços mais estreitos com a China, que intensificou a sua presença na região em meio a um vácuo de poder percebido deixado pelos EUA.
O Irã e a Arábia Saudita são rivais, embora no início deste ano tenham restaurado os laços diplomáticos num acordo mediado pela China.
O cenário contrasta fortemente com um bloco mais unificado como o G7, que é composto por democracias com mentalidade semelhante, com grandes economias industrializadas.
Helena Legarda, analista principal do Mercator Institute for China Studies, um think tank baseado em Berlim, disse que não está claro até que ponto a expansão dos Brics aumentará o valor e a influência do grupo.
“Sem uma ideologia em comum e um objetivo global claro, é provável que a adição de seis novos membros possa, em vez disso, tornar os Brics um grupo mais dividido”.
Divisões internas
Uma questão fundamental é a agenda anti-EUA incentivada pela China e pela Rússia, que foi reforçada com a inclusão do Irã.
A Índia e o Brasil expressaram preocupações sobre o bloco potencialmente se tornar demasiado antiocidental e dominado pela China, e alguns dos novos membros podem ser igualmente céticos, de acordo com Legarda.
“Apesar dos objetivos geopolíticos claros que a China tem para o grupo, muitas outras economias em desenvolvimento e emergentes não veem os Brics como um órgão exclusivamente geopolítico. Eles também são motivados por oportunidades econômicas e pela possibilidade de garantir acesso privilegiado aos mercados chineses e outros”, opinou a analista.
Enquanto isso, a China luta com seus próprios problemas econômicos internos – incluindo uma crise imobiliária em espiral, uma dívida crescente do governo local, o recorde de desemprego entre os jovens e o envelhecimento da população. Muitos economistas acreditam que a segunda maior economia do mundo está entrando numa era de crescimento muito mais lento, o que pode ter um profundo impactos na economia global.
É provável que a expansão dos Brics estimule a competição – e o potencial atrito – entre a China e a Índia, cujos laços já foram abalados por um conflito fronteiriço.
“A competição sino-indiana pela liderança do Sul Global está agora destinada a ficar mais afiada com a China a tendo uma clara vantagem”, disse Jacob, em Nova Deli.
“Embora a Índia tenha boas relações com todos os novos membros do Brics, a carteira cheia da China e a sua capacidade de preencher o vácuo pós-americano, especialmente no Oriente Médio, significa que a China poderá influenciar a instituição muito mais do que a Índia poderia”, acrescentou.
A rivalidade e as tensões entre a China e a Índia, bem como entre o Irã e a Arábia Saudita, significam que as questões nas quais podem concordar e agir em conjunto são pouco prováveis de serem significativas em número e natureza, disse Sun, do Stimson Center.
“A expansão certamente constrói uma imagem de uma coligação crescente fazendo frente ao Ocidente, mas ter mais países numa organização não equivale a mais eficácia”.
Link de referência da matéria: https://www.cnnbrasil.com.br
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